segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

São Paulo - catástrofe ou utopia?

RAQUEL ROLNIK

Observando os desafios que a cidade enfrenta hoje, não tenho dúvidas de que a inércia pode nos levar à catástrofe

Ontem São Paulo completou 461 anos. Como será a cidade daqui a 39 anos, quando completará seu quinto centenário?
Observando os desafios que enfrentamos hoje, um dos cenários é, sem dúvida, catastrófico. Uma cidade sem água apropriada para consumo, sem energia elétrica acessível e produzindo cada vez mais lixo. Na paisagem, mais asfalto e concreto, mais e mais viadutos, pontes e túneis, péssimas calçadas, parques e praças residuais.
E as pessoas, claro, cada vez mais imobilizadas e trancadas: em casas e apartamentos cada vez mais caros, no carro, no trabalho, no shopping. Como em um filme de ficção, será um salve-se quem puder: os milionários, depois de terem extraído toda a riqueza que puderam, terão se exilado em uma colônia em Marte.
Mas também é possível vislumbrar um cenário otimista onde, na comemoração dos 500 anos de São Paulo, podemos ter uma cidade em que o espaço público seja o elemento estruturador, que contará com uma rede de transporte coletivo de alta qualidade, com múltiplos modais, garantindo total liberdade de ir e vir para toda a população... Os espaços privados individuais talvez se tornem ainda menores, mas estarão disponíveis para todos, e a oferta e a qualidade do espaço público e sua utilização democrática serão máximas.
Além disso, graças à recuperação dos mananciais da cidade e da mudança no modelo de gestão e consumo da água, todos os paulistanos poderão usufruir desse recurso. A produção de lixo também será mínima, tanto pela alta capacidade de reciclagem e reaproveitamento quanto pela diminuição do consumo. A maior parte da energia elétrica, em vez de comprada como mercadoria de luxo, será autoproduzida pelos cidadãos em suas atividades.
Mas o que separa a catástrofe da utopia? Não tenho dúvidas de que a inércia pode nos levar à catástrofe. Deixar tudo como está, não enfrentar os desafios que já estão colocados hoje, não promover as mudanças necessárias pode significar que estamos construindo para as próximas gerações uma cidade completamente inóspita.
A utopia, por sua vez, não deve ser entendida como algo impossível. A construção diária da utopia é o que pode nos levar a uma guinada. Para isso, é necessário nos convencermos de que parte importante do excedente de riqueza que a cidade produz deve ser usada para subsidiar suas demandas coletivas. Mas apenas isso não é suficiente. Outra dimensão fundamental é a da mudança cultural, e esta, me parece, já começou a acontecer.
São muitos os movimentos em São Paulo hoje que reclamam maior participação nas definições e decisões de políticas públicas para a cidade, que atuam nos bairros, que reivindicam moradia adequada, áreas públicas, mais praças, parques e espaços culturais. Que não se conformam com a força de um mercado que, da noite para o dia, destrói memórias, afetos e paisagens. Que não aguentam mais o desconforto, a desigualdade e a violência no trânsito e por isso cobram mais eficiência e qualidade no transporte público, mais e melhores espaços para ciclistas e pedestres.
Fortalecer essa cultura na construção da utopia, hoje, é o melhor presente que temos a dar para a São Paulo do futuro. Folha, 26.01.2015.

É difícil atribuir seca em SP ao aquecimento global

ENTREVISTA DA 2ª - CARLOS NOBRE

São necessários mais estudos, diz climatologista, para quem o sudeste tem regime de chuvas especialmente imprevisível

MARCELO LEITEDE SÃO PAULO
O renomado climatologista Carlos Afonso Nobre está muito preocupado com a crise hídrica. No Sudeste, para que a estação chuvosa janeiro-março fique na média histórica, seria preciso chover 60% a 80% mais que o usual nos dois meses que faltam.
O problema é que não há como prever se isso vai ocorrer. No ano passado, o bloqueio atmosférico (massa de ar que impede a entrada de umidade) durou até meados de fevereiro. A boa notícia é que, neste janeiro de 2015, ele foi rompido pela frente fria dos últimos dias --mas nada impede a sua volta.
As condições do Sudeste, afirma, fazem dele uma região de baixa previsibilidade para secas e chuvas, mesmo na escala de semanas.
Secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Nobre se encontra na posição desconfortável de ser um destacado estudioso da mudança do clima com funções executivas num ministério em que o titular (Aldo Rebelo) já pôs o fenômeno em dúvida. Evita tratar do assunto, porém, por ter convivido pouco com o novo ministro.
De todo modo, Nobre não abandona a prudência científica. "É difícil atribuir ao aquecimento global um extremo climático como as secas do Sudeste", afirma nesta entrevista, concedida por escrito.
A impossibilidade de se relacionar diretamente a mudança climática a episódios específicos não significa, porém, que governos não devam se preparar para o aumento de eventos extremos causado por ela, diz Nobre.
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Folha - O verão 2013/14 foi o mais seco em 62 anos no Sudeste, em especial na bacia que alimenta o Cantareira. Já é possível avaliar se o de 2014/15 irá superá-lo ou igualá-lo?
Carlos Nobre - Ainda não, pois fevereiro e março são meses da estação chuvosa. De qualquer maneira, para que a estação chuvosa no Sudeste se encerrasse dentro da média histórica, as chuvas em fevereiro e março deveriam ficar de 60% a 80% acima da média.
Até novembro e dezembro de 2013, as previsões sazonais não haviam sido capazes de indicar a estiagem que viria em janeiro de 2014.
De fato, não há quase nenhuma previsibilidade para a região Sudeste e Centro-Oeste quando se trabalha com uma escala de meses.
Tal região não está entre os locais do planeta com previsibilidade climática sazonal, como o norte do Nordeste, partes da Amazônia e Sudeste da América do Sul (centro-leste da Argentina, Uruguai e Paraguai, e sul do Brasil).
A variabilidade climática no Sudeste é fortemente influenciada por frentes frias e por fenômenos atmosféricos de grande escala, como os bloqueios, que geram os veranicos [com estiagem] no meio da estação chuvosa, que são difíceis da prever. Isso aumenta o nível de incerteza na gestão dos recursos hídricos.
Isso vale para a maior parte do Brasil?
No semiárido do Nordeste, as previsões de secas com antecedência de alguns meses têm alto índice de acerto, quase 80%, e são forma importante para políticas de mitigação dos impactos das secas.
Para a estação chuvosa principal do semiárido, de fevereiro a maio deste ano, as previsões indicam risco de chuvas abaixo da média, um quadro de continuidade do deficit hídrico de vários anos.
No caso da Amazônia, é significativo o risco de grandes incêndios florestais, como em 1998 em Roraima?
Para o norte da Amazônia, especialmente Roraima, as chuvas dos últimos meses têm estado um pouco abaixo da média histórica, e fevereiro e março são meses do período mais seco do ano.
A principal explicação para chuvas abaixo da média no norte da Amazônia é o El Niño [superaquecimento das águas do Pacífico que aquece a atmosfera], ainda que o episódio atual seja considerado fraco e deva se enfraquecer-se nos próximos meses. Não se espera uma seca tão intensa em Roraima como foi aquela de 1997-98, reflexo do mega-El Niño ocorrido então.
Em janeiro de 2014, o bloqueio atmosférico permaneceu até meados de fevereiro. Com a frente fria que chegou a SP nesta quinta-feira (22), pode-se dizer que o pior já passou?
Como disse, prever bloqueios atmosféricos com semanas de antecedência não é factível. Mas, de fato, a situação a partir da chegada de uma fraca frente fria ao Sudeste nos últimos dias é diferente daquela de janeiro e fevereiro de 2014.
A repetição em 2014 e 2015 de condições de estiagem grave, ao menos no Sudeste, pode ter relação com o aquecimento global? Afinal, 2014 foi declarado pela Nasa e pela Noaa o mais quente já registrado. Qual é a chance de que seja apenas uma coincidência?
O fato de que as observações globais indicam a continuidade da tendência de aquecimento global, com 2014 sendo o ano com a mais alta temperatura à superfície desde 1860, é algo bem esperado, em razão da crescente quantidade de gases do efeito estufa na atmosfera.
Por outro lado, é bem mais difícil atribuir ao aquecimento global um extremo climático como as secas do Sudeste. São necessários estudos com modelos climáticos globais complexos, nos quais se simula o clima com e sem os aumentos dos gases-estufa.
Além disso, sempre é necessário estabelecer quais são os mecanismos físicos para a mudança. No caso de bloqueios atmosféricos, envolveria entender mecanismos complexos. Como a propagação de ondas atmosféricas de milhares de quilômetros está respondendo ao aquecimento global? Trata-se de uma tarefa cientificamente bastante desafiadora.
Como se explica que reservatórios relativamente próximos, como Guarapiranga/Billings e Cantareira tenham comportamento tão díspares?
Em anos de bloqueios atmosféricos grandes sobre o Sudeste, toda a região apresenta chuvas abaixo da média. O efeito de ilha urbana de calor [afetadas pela temperatura mais elevada da cidade, massas úmidas de passagem viram tempestades], porém, atua para fazer com que os deficits sobre a região metropolitana de São Paulo sejam menores do que em regiões vizinhas, como o Cantareira.
Por outro lado, mesmo excetuando fenômenos de grande escala como os bloqueios, observa-se uma diminuição relativa das chuvas sobre o Cantareira nas últimas décadas e um aumento das chuvas sobre a cidade. Hipoteticamente, esse efeito de longo prazo pode estar relacionado com a ilha urbana de calor, mas estudos em andamento precisarão comprovar, ou não, essa hipótese.
O governo federal já trabalha com a hipótese de que a Grande São Paulo chegue a um estado de calamidade pública, com esgotamento completo do sistema Cantareira, por exemplo?
O Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) desenvolveu um modelo hidrológico para o sistema Cantareira e instalou, em abril e maio de 2014, 33 pluviômetros automáticos para melhorar o monitoramento das chuvas sobre as bacias de captação. Como não é factível prever hoje as chuvas em fevereiro e março, pode-se apenas traçar cenários.
No caso de continuidade de chuvas abaixo da média nesses meses, de fato há risco de o reservatório não ter condições de manter o abastecimento nos níveis atuais.
O que o poder público deve fazer no médio e no longo prazos para prevenir a repetição dessa situação limítrofe? Diria que se trata do principal problema no campo da adaptação à mudança do clima?
Adaptação às mudanças climáticas deve ser uma prioridade de política pública. Hidrólogos devem incorporar o fato de que os extremos climáticos estão se tornando mais frequentes e, em muitos casos, mais intensos.
Em outras palavras, as séries históricas de observações hidrológicas não podem mais ser consideradas estacionárias. O planejamento da utilização dos recursos hídricos deve levar em conta isso. A atual crise hídrica já está tendo um impacto em demonstrar que o Brasil precisa urgentemente buscar desenvolver sistemas e infraestruturas resistentes ao aumentos dos extremos climáticos.
Qual é a sua avaliação da Conferência de Lima e sua expectativa com relação a Paris, em dezembro?
Lima trouxe progressos incrementais. Embora exista a expectativa de algo maior em Paris, creio que seja realista não esperar uma revolução. Além disso, é preocupante a relativa diminuição recente dos preços dos petróleo e gás: se persistir, irá causar um inevitável aumento das emissões de gases do efeito-estufa.
    Folha, 26.01.2015.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Geoengenharia propõe soluções para o clima: Ideias para combater o aquecimento global dividem especialistas

Manipulação do clima pode causar efeitos indesejados

Por HENRY FOUNTAIN
UTRECHT, Holanda - Para Olaf Schuiling, a solução para o aquecimento global está sob nossos pés. Schuiling, geoquímico aposentado, acredita que a salvação climática está na olivina, mineral de tonalidade verde abundante no mundo inteiro. Quando exposta aos elementos, ela extrai lentamente o gás carbônico da atmosfera.
A olivina faz isso naturalmente há bilhões de anos, mas Schuiling quer acelerar o processo espalhando-a em campos e praias e usando-a em diques, trilhas e até playgrounds. Basta polvilhar a quantidade certa de rocha moída, diz ele, e ela acabará removendo gás carbônico suficiente para retardar a elevação das temperaturas globais. "Vamos deixar a Terra nos ajudar a salvá-la", disse Schuiling, 82, em seu gabinete na Universidade de Utrecht.
Ideias para combater as mudanças climáticas, como essas propostas de geoengenharia, já foram consideradas meramente fantasiosas.
Todavia, os efeitos das mudanças climáticas podem se tornar tão graves que talvez tais soluções passem a ser consideradas seriamente.
A ideia de Schuiling é uma das várias que visam reduzir os níveis de gás carbônico, o principal gás responsável pelo efeito estufa, de forma que a atmosfera retenha menos calor.
Outras abordagens, potencialmente mais rápidas e viáveis, porém mais arriscadas, criariam o equivalente a um guarda-sol ao redor do planeta, dispersando gotículas reflexivas na estratosfera ou borrifando água do mar para formar mais nuvens acima dos oceanos. A menor incidência de luz solar na superfície da Terra reduziria a retenção de calor, resultando em uma rápida queda das temperaturas.
Ninguém tem certeza de que alguma técnica de geoengenharia funcionaria, e muitas abordagens nesse campo parecem pouco práticas. A abordagem de Schuiling, por exemplo, levaria décadas para ter sequer um pequeno impacto, e os próprios processos de mineração, moagem e transporte dos bilhões de toneladas de olivina necessários produziriam enormes emissões de carbono.
Muitas pessoas consideram a ideia da geoengenharia um recurso desesperado em relação à mudança climática, o qual desviaria a atenção mundial da meta de eliminar as emissões que estão na raiz do problema.
O clima é um sistema altamente complexo, portanto, manipular temperaturas também pode ter consequências, como mudanças na precipitação pluviométrica, tanto catastróficas como benéficas para uma região à custa de outra. Críticos também apontam que a geoengenharia poderia ser usada unilateralmente por um país, criando outra fonte de tensões geopolíticas.
Especialistas, porém, argumentam que a situação atual está se tornando calamitosa. "Em breve poderá nos restar apenas a opção entre geoengenharia e sofrimento", opinou Andy Parker, do Instituto de Estudos Avançados sobre Sustentabilidade, em Potsdam, Alemanha.
Em 1991, uma erupção vulcânica nas Filipinas expeliu a maior nuvem de gás anidrido sulforoso já registrada na alta atmosfera. O gás formou gotículas de ácido sulfúrico, que refletiam os raios solares de volta para o Espaço. Durante três anos, a média das temperaturas globais teve uma queda de cerca de 0,5 grau Celsius. Uma técnica de geoengenharia imitaria essa ação borrifando gotículas de ácido sulfúrico na estratosfera.
David Keith, pesquisador na Universidade Harvard, disse que essa técnica de geoengenharia, chamada de gestão da radiação solar (SRM na sigla em inglês), só deve ser utilizada lenta e cuidadosamente, para que possa ser interrompida caso prejudique padrões climáticos ou gere outros problemas.
Certos críticos da geoengenharia duvidam que qualquer impacto possa ser equilibrado. Pessoas em países subdesenvolvidos são afetadas por mudanças climáticas em grande parte causadas pelas ações de países industrializados. Então, por que elas confiariam que espalhar gotículas no céu as ajudaria?
"Ninguém gosta de ser o rato no laboratório alheio", disse Pablo Suarez, do Centro do Clima da Cruz Vermelha/Crescente Vermelho.
Ideias para retirar gás carbônico do ar causam menos alarme. Embora tenham questões espinhosas -a olivina, por exemplo, contém pequenas quantidades de metais que poderiam contaminar o meio ambiente-,elas funcionariam de maneira bem mais lenta e indireta, afetando o clima ao longo de décadas ao alterar a atmosfera.
Como o doutor Schuiling divulga há anos sua ideia na Holanda, o país se tornou adepto da olivina. Estando ciente disso, qualquer um pode notar a presença da rocha moída em trilhas, jardins e áreas lúdicas.
Eddy Wijnker, ex-engenheiro acústico, criou a empresa greenSand na pequena cidade de Maasland. Ela vende areia de olivina para uso doméstico ou comercial. A empresa também vende "certificados de areia verde" que financiam a colocação da areia ao longo de rodovias.
A obstinação de Schuiling também incitou pesquisas. No Instituto Real de Pesquisa Marítima da Holanda em Yerseke, o ecologista Francesc Montserrat está pesquisando a possibilidade de espalhar olivina no leito do mar. Na Bélgica, pesquisadores na Universidade de Antuérpia estudam os efeitos da olivina em culturas agrícolas como cevada e trigo.
Boa parte dos profissionais de geoengenharia aponta a necessidade de haver mais pesquisas e o fato de as simulações em computador serem limitadas.
Poucas verbas no mundo são destinadas a pesquisas de geoengenharia. No entanto, até a sugestão de realizar experimentos em campo pode causar clamor popular. "As pessoas gostam de linhas bem demarcadas, e uma bem óbvia é que não há problema em testar coisas em um computador ou em uma bancada de laboratório", comentou Matthew Watson, da Universidade de Bristol, no Reino Unido. "Mas elas reagem mal assim que você começa a entrar no mundo real."
Watson conhece bem essas delimitações. Ele liderou um projeto financiado pelo governo britânico, que incluía um teste relativamente inócuo de uma tecnologia. Em 2011, os pesquisadores pretendiam soltar um balão a cerca de um quilômetro de altitude e tentar bombear um pouco de água por uma mangueira até ele. A proposta desencadeou protestos no Reino Unido, foi adiada por meio ano e, finalmente, cancelada.
Hoje há poucas perspectivas de apoio governamental a qualquer tipo de teste de geoengenharia nos EUA, onde muitos políticos negam sequer que as mudanças climáticas sejam uma realidade.
"O senso comum é que a direita não quer falar sobre isso porque reconhece o problema", disse Rafe Pomerance, que trabalhou com questões ambientais no Departamento de Estado. "E a esquerda está preocupada com o impacto das emissões."
Portanto, seria bom discutir o assunto abertamente, afirmou Pomerance. "Isso ainda vai levar algum tempo, mas é inevitável", acrescentou. NYT, 18.11.2014.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

EUA e China anunciam acordo climático



Chineses se comprometem a desacelerar emissões antes de 2030, e EUA querem cortar 26% do seu CO2 até 2025


Nos EUA, acordo não precisa ir ao Congresso, mas republicanos, agora com maioria também no Senado, já reclamam
MARCELO NINIODE PEQUIM
Após meses de negociações sigilosas, China e EUA alcançaram um acordo sem precedentes para reduzir emissões de gases poluentes.
Tal feito deve energizar o esforço para concluir um acordo global sobre mudança climática em 2015.
O anúncio foi feito nesta quarta (12), na conclusão da visita à China do presidente americano, Barack Obama. Ao lado do líder chinês, Xi Jinping, Obama classificou o acordo como "histórico".
A China se comprometeu a atingir o ápice de suas emissões de CO2 no máximo até 2030, quando então elas deverão começar a cair. Para isso, o país pretende investir para que 20% de sua energia tenha origem em fontes não poluentes.
É a primeira vez que a China, país que mais polui no mundo, estabelece uma data para que suas emissões de CO2 parem de aumentar. Juntos, China e EUA são responsáveis por mais de 40% do dióxido de carbono emitido em escala global.
Os EUA, por sua vez, assumem o compromisso de reduzir as emissões em 2025 entre 26% e 28% em relação a 2005. A nova meta é mais ambiciosa que a estabelecida anteriormente por Obama, de um corte de 17% até 2020.
ACORDO GLOBAL
"Como as duas maiores economias e os maiores consumidores de energia e emissores de gases-estufa, temos uma responsabilidade especial de liderar o esforço global contra a mudança climática", disse Obama.
O anúncio permitiu um desfecho positivo para a visita de Obama à China, cercada por uma série de divergências e competição crescente entre as duas economias.
Ambos os líderes destacaram a importância do entendimento para encorajar outras grandes economias a chegar a um acordo ambicioso na 21ª COP (conferência mundial do clima) de Paris, em 2015 --antes disso, ocorre a 20ª COP, no Peru, no começo de dezembro deste ano, onde as bases desse acordo começarão a ser negociadas.
Xi Jinping disse explicitamente que o compromisso assumido pelos países serve para "assegurar que as negociações internacionais sobre as alterações climáticas irão chegar a um acordo".
No mês passado, a União Europeia também anunciou suas metas, comprometendo-se a reduzir em 40% as emissões até 2030, em relação a 1990. O bloco europeu é responsável por 11% das emissões mundiais de CO2.
Apesar do otimismo demonstrado por Xi e Obama, os dois líderes terão que vencer resistências domésticas para cumprir as metas.
Nos EUA, as recentes eleições legislativas deram o controle do Senado ao opositor Partido Republicano, que também aumentou sua maioria na Câmara.
O acordo não precisa passar por aprovação do Congresso, mas as críticas não tardaram. "Esse plano irrealista que o presidente empurrará para o seu sucessor vai garantir apenas impostos mais altos e menos emprego", atacou o líder republicano no Senado, Mitch McConnell.
A China tem obstáculos ainda maiores. Num momento de desaceleração, o governo tenta implementar reformas sem criar desemprego e instabilidade social.
Embora seja o país que mais investe em energias renováveis, a China ainda luta para diminuir sua forte dependência do carvão. Mais barato do que outras fontes de energia, ele gera 65% da eletricidade usada no país.
As metas anunciadas por Xi e Obama são importantes como um sinal de esforço conjunto, mas poderiam ser mais ambiciosos, diz Wang Tao, especialista em clima do Centro Carnegie-Tsinghua de Política Global.
"O compromisso com as metas é claro", afirmou à Folha. "O desafio é alinhar a preocupação de curto prazo com o crescimento econômico e a de longo prazo, que é preservar o meio ambiente." Folha, 13.11.2014.
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Despertar dos gigantes ameaça protagonismo do Brasil na área

RAFAEL GARCIADE SÃO PAULO
Se o pacto climático entre China e EUA tiver o efeito previsto, os dois países devem deixar de travar as negociações do almejado acordo global. Nesse cenário, reduzem-se as chances de o Brasil seguir protagonista na área.
Na última vez em que chefes de Estado se reuniram para tentar chegar a um acordo, em 2009, o Brasil estava em ritmo acelerado de redução do desmatamento (sua principal fonte de CO2) e prometia reduzir até 39% de seu CO2 projetado para 2020.
A promessa deixava o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva à vontade para cobrar ação de outras nações. Seu discurso foi aplaudido como poucos durante aquele encontro em Copenhague.
Agora, porém, o país está numa condição diferente.
Mesmo que honre a promessa, o Brasil corre o risco de chegar à cúpula de Paris, em 2015, com as emissões em curva ascendente. E enquanto chineses e americanos falam em objetivos para 2030, o Brasil dá sinais de que repetirá sua intenção para 2020.
Ainda que o pacto sino-americano seja mais uma carta de intenções que um acordo vinculante e ainda que ele seja insuficiente para evitar um aquecimento global de 2ºC, considerado perigoso, a proposta chinesa de atingir 20% de energia renovável até 2030 é muito ambiciosa.

Enquanto isso, o Brasil, que tem hoje respeitáveis 40% de sua matriz energética (incluindo indústria e transporte) calcada em fontes renováveis, sinaliza uma aceleração do consumo de combustíveis fósseis. E não há como almejar um corte de emissões tão significativo quanto o chinês cuidando apenas do problema do desmatamento. Folha, 13.11.2014.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

'Nova geração de empresários percebe risco para o clima'

Para ex-primeira-ministra da Noruega Gro Brundtland, setor privado já vê oportunidades surgindo do combate ao aquecimento

MARCELO LEITEDE SÃO PAULO
Gro Harlem Brundtland, 75, poderia ser chamada de "mãe do desenvolvimento sustentável". A expressão, hoje de uso corrente em ambientalismo, foi cunhada em 1987 na declaração "Nosso Futuro Comum", o chamado "Relatório Brundtland".
A médica e diplomata que se tornou primeira-ministra da Noruega foi convidada pela ONU para presidir a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Lá, definiu-se o desenvolvimento "sustentável" como aquele "que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades".
Quase três décadas depois, Brundtland diz que isso deixou de ser abstração. "Foi necessária uma geração inteira de aprendizado, de conscientização, de eventos meteorológicos e outros sinais concretos de mudança dramática para reverter a maré, no sentido da noção de que não há rota alternativa à frente."
Brundtland fala nesta quarta (1º) em palestra da série Fronteiras do Pensamento, em São Paulo, com ingressos esgotados. Ela elogia o Brasil pela redução do desmate e se diz otimista quanto a um acordo global sobre o clima, a ser fechado em Paris no fim de 2015.
Folha - A agenda da mudança do clima perdeu impulso depois da crise de 2008. A sra. acredita que a Cúpula de Nova York ajudou a reverter essa tendência, mesmo sendo uma discussão mais informal?
Sim, acredito. Formal ou informal não é a questão. O que importa é o que os líderes dos países estão dispostos a fazer, porque os negociadores não são os líderes. Eles são pessoas em nível ministerial ou subministerial às vezes. Todos eles dependem dos processos de decisão de seus países, que por sua vez depende do que os líderes executivos ou seus parlamentos estão dispostos a fazer. Tudo isso é um processo complicado e varia de país para país. Então, é importante reunir essas pessoas, como fez o secretário-geral da ONU.
Relatórios recentes sobre a economia da mudança obtiveram mais repercussão na comunidade empresarial do que a "Revisão Stern", de 2007. Por quê?
O recente relatório "Crescimento Melhor, Clima Melhor" impressionou muita gente. Ficou claro que há muitos mais no setor privado que agora enxergam oportunidades, não apenas necessidade, em se adotar soluções de baixo carbono.
Eles demandaram que se atribua um preço ao carbono, pediram um esclarecimento dos governos sobre regulação futura, estavam impacientes, pedindo mais ação. Sim, acredito que uma nova geração de líderes empresariais se deu conta dos riscos de não se converter a uma abordagem amigável ao clima.
O problema que ainda emperra as discussões sobre um acordo global de redução de emissões é a oposição entre países ricos com longo histórico de emissões e os emergentes grandes emissores?
Isso ainda não foi solucionado. Francamente, o que está acontecendo é que todos estão contando com esses movimentos de baixo para cima, com países declarando o que estão dispostos a prometer em plano nacional. Depois, soma-se tudo para ver o quão distantes estamos de onde precisamos estar. E estamos muito longe. Essas declarações precisam melhorar. E isso se aplica tanto aos países ricos quanto a os pobres.
Está otimista com a Conferência de Paris, em 2015?
Paris precisa dar um grande salto à frente! Muitos países estão impondo condicionalidades do tipo: "A menos que se prometa tanto em financiamento para adaptação e mitigação em países pobres, não estamos dispostos a prometer nada". Há muitas condicionalidades na mesa de negociação e é preciso saber a posição de cada país --mesmo aquelas posições que são apenas sussurradas', que não são divulgadas publicamente. É preciso aumentar a soma de promessas, de modo que os negociadores tenham chance de fazer algo até dezembro do ano que vem, para finalizar em Paris algo que realmente vá funcionar. Folha, 01.10.14
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terça-feira, 23 de setembro de 2014

O concreto pede água

Japonês Shigeru Ban abre seminário em SP que debaterá recursos hídricos e arquitetura sustentável

SILAS MARTÍDE SÃO PAULO
Uma arquitetura que seja sustentável não costuma casar com noções de luxo e glamour. Mas desde que a crise econômica que se arrasta há seis anos tornou cafona a ostentação em projetos mirabolantes, a onda verde pegou.
Rendeu um Pritzker, o maior prêmio da arquitetura, ao japonês Shigeru Ban, conhecido por suas obras em papel, madeira e outros materiais renováveis, e fez até Brad Pitt bancar uma fundação para a construção sustentável.
Ban e dois dos arquitetos --Lars Krückeberg e Tim Duggan-- que trabalham na fundação Make It Right, de Pitt, participam nesta semana do seminário Arq.Futuro, em São Paulo, onde vão falar da gestão de recursos hídricos.
Em plena seca que castiga várias cidades brasileiras, o tema político desbancou questões mais formalistas, como a discussão sobre tendências na arquitetura, ao mesmo tempo em que se firma como uma tendência em si.
Quando Ban, que deve abrir o encontro, venceu o Pritzker em 2013, um sócio da arquiteta Zaha Hadid, também vencedora do prêmio e famosa por projetos extravagantes, tuitou inconformado que o "politicamente correto" estava dominando a área.
Mas não é bem assim. Se é fato que Ban tem um histórico de ceder desenhos para esforços humanitários, ajudando a criar abrigos temporários na Ruanda pós-guerra civil e na Nova Orleans devastada pelo furacão Katrina, ele também tem um pé na ostentação.
Seu projeto mais recente, o Museu de Arte de Aspen, inaugurado na meca do esqui americano em agosto, foi criticado pelo uso apenas decorativo de suas soluções estruturais recicláveis, como as vigas de papel reforçado, que ali não sustentam o prédio, mas servem de adorno.
Da mesma forma que sua filial do Pompidou em Metz, na França, também usa estratégias parecidas. Ou seja, o sustentável já virou fetiche e arrisca se esgotar como tendência em vez de se firmar como uma solução na arquitetura.
"Achamos de verdade que todos deveriam viver felizes em comunidades verdes, mas muita gente só quer sair abraçando árvores", diz Tim Duggan, da Make It Right. "Só que como isso não faz sentido para os banqueiros, procuramos fazer algo sustentável também do ponto de vista econômico."
Ele reconhece que ter Brad Pitt como dono e garoto propaganda da fundação ajuda a executar os projetos, que começaram pela revitalização de Nova Orleans. "O Brad empresta seu carisma e também o talão de cheques", diz.
Mas frisa que os projetos estão ancorados em estudos dos lugares onde trabalham, em especial o comportamento da água nessas cidades, do tratamento do esgoto à absorção da chuva pelo solo.
Fora do campo arquitetônico, o artista Caio Reisewitz lança durante o encontro com uma nova série fotográfica em que registra a crise de abastecimento da água em São Paulo, com imagens aéreas das represas que servem a cidade feitas nas últimas semanas.
Ele imprimiu as fotos com as cores invertidas, enfatizando os tons de vermelho nas represas esvaziadas. "Assumi o lado negativo das imagens, mas não faço isso para entrar no debate eleitoral. Essas questões sempre estiveram no meu trabalho", diz Reisewitz.
ANÁLISE

Arquitetura sustentável já deixou o nicho ecologista

RAUL JUSTE LORESEM NOVA YORK
É oportuno que o tema deste Arq.Futuro seja a água. Enquanto descobertas de petróleo pipocam por todo o mundo e nem a crise no Oriente Médio faz seu preço disparar, a água se torna um bem cobiçado e raro. Na Califórnia, a seca prolongada guia diversas mudanças permanentes em como o Estado taxa e regula o uso da água.
Arquitetura sustentável, como marca, é marketing velho: hoje toda arquitetura precisa pensar em um mundo de recursos naturais mais escassos e de mudanças climáticas.
Felizmente, há melhores condições de vida para milhões de pessoas mundo afora, especialmente na Ásia e na África, graças à globalização, mas todas essas novas bocas comendo (e consumindo) mais significa que o impacto humano sobre o planeta vai aumentar.
Racionalidade versus desperdício também deve guiar toda a arquitetura, não a apenas apelidada de "verde".
Vários debates desta edição do Arq.Futuro provam que o assunto já deixou as fronteiras do "nicho" ecologista.
A inundação provocada pelo furacão Katrina em Nova Orleans, em 2005, gerou um desafio de como se construir casas em áreas de enchentes constantes. A ONG Make It Right, que participa do evento, conseguiu atrair diversos arquitetos que vieram com soluções muito além das casas suspensas, com o térreo bem elevado.
Houve pesquisa e uso de concreto poroso para absorver a água das chuvas, coberturas verdes, novos sistemas de ventilação, encanamento, ventilação e aquecimento previstos no design. Essas pesquisas podem ser disseminadas muito além de Nova Orleans.
Um dos arquitetos participantes do Make It Right, o japonês Shigeru Ban, também estará em São Paulo --ele foi um dos pioneiros em trabalhar com materiais recicláveis e baratos, de tubos de papelão a bambu, em áreas afetadas por desastres naturais e tem muito a dizer.
A devastação provocada pela supertempestade Sandy em Nova York, em 2012, com a alta do nível do mar, guia pesquisas de Alexandros Washburn, que foi diretor de design urbano durante a gestão do prefeito novaiorquino Michael Bloomberg e fala nesta quarta (24) no evento.
Mas nem sempre a boa arquitetura vem acompanhada de bom urbanismo: as belas casas sustentáveis de Nova Orleans formam um bairro exclusivamente residencial e bem afastado do centro da cidade, mantendo a suburbanização existente pré-Katrina.
Para ir ao trabalho ou fazer compras, seus moradores continuam a depender de longas (e nada sustentáveis) viagens de carro. Folha, 23.09.2013.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Empresas darão força a acordo climático global: PARA CHEFE DO PAINEL DO CLIMA, SETOR PRIVADO VAI PERCEBER QUE O CUSTO DA INAÇÃO CONTRA O AQUECIMENTO É ALTO DEMAIS

ENTREVISTA - RAJENDRA PACHAURI

MARCELO LEITE - DE SÃO PAULO

O engenheiro eletromecânico indiano Rajendra Kumar Pachauri, 74, ganhou fama mundial à frente do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na abreviação em inglês), que preside há 12 anos. Boa fama e má fama, que ele no entanto está conseguindo superar.
O auge veio em 2007, quando ele recebeu o Prêmio Nobel da Paz em nome dos milhares de especialistas que compõem o painel reunido pela ONU. Foi no mesmo ano em que se publicou o "Quarto Relatório de Avaliação" (AR4) do IPCC.
Dois anos depois, o AR4 enfrentou um forte questionamento da previsão de que as geleiras do Himalaia se derreteriam até 2035. Reconheceu o erro, mas sua reputação saiu arranhada. Depois veio o escândalo do "climagate": vazaram para a imprensa mensagens eletrônicas entre cientistas do ramo que davam a impressão de conluio entre eles para pintar um quadro mais alarmante sobre o futuro do clima.
Pachauri sobreviveu a tudo isso e comandou o lançamento, no ano passado, do quinto relatório (AR5). Reconhece, porém, que a controvérsia contribuiu para melhorar os controles no IPCC.
Hoje, Pachauri considera que o ímpeto para combater os efeitos da mudança do clima depende menos dos pesquisadores e dos governos centrais e mais dos empresários e governos locais. "Não acredito que um pacto internacional seja o único meio com o qual possamos e devamos combater as mudanças climáticas."
Leia trechos da entrevista que Pachauri deu por escrito após participar de um seminário da Fundação Ford no Rio de Janeiro.
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Folha - Quais são suas expectativas para a cúpula do clima de Paris em 2015? Existem condições econômicas e políticas para os países que mais emitem gases-estufa se comprometerem a fazer reduções significativas?

Rajendra Pachauri - Não posso me pronunciar quanto à Conferência de Paris, mas posso afirmar que as estimativas dos custos da mitigação das emissões de gases-estufa variam muito.

Nos cenários do tipo "business as usual" [mais do mesmo], a economia cresce entre 1,6% e 3% ao ano. A mitigação ambiciosa reduziria esse crescimento em cerca de 0,06 ponto percentual, o que parece um preço muito razoável a pagar. Ademais, as estimativas não levam em conta os benefícios da redução das mudanças climáticas, incluindo o de evitar sofrimento humano incalculável.
Portanto, acho que é um equívoco dizer que um acordo global para combater as mudanças climáticas teria consequências econômicas negativas. Por outro lado, sabemos que quanto mais tempo esperarmos para agir, mais alto será o custo da ação no futuro.

Por que o conjunto impressionante de conhecimentos científicos acumulado pelo IPCC ainda não foi capaz de empurrar tomadores de decisões em todo o mundo na direção da ação efetiva contra a mudança climática?
Alcançar acordos globais quase sempre requer muitos anos, até décadas. Embora eu tivesse preferido contar já há muito tempo com um pacto global com obrigações legais para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, não estou surpreso com o ritmo das negociações.
Não acredito que um pacto internacional seja o único meio pelo qual possamos combater as mudanças climáticas. Me sinto encorajado pela consciência crescente de governos locais e empresas de que eles precisam agir a esse respeito. Estados da costa oeste dos EUA e a Colúmbia Britânica [no Canadá], por exemplo, firmaram um pacto para coordenar políticas relativas às mudanças climáticas. E mais empresas estão tomando consciência dos riscos que enfrentam se nada for feito em relação às mudanças climáticas. Quando essa consciência alcançar uma massa crítica --e creio que estamos chegando a esse ponto--, veremos uma poderosa força em favor da ação vinda do setor das empresas.

Um relatório lançado nos EUA, "Risky Business" (negócio arriscado), defende a tomada de ações imediatas contra as mudanças climáticas, usando o raciocínio das seguradoras para convencer líderes empresariais a engajar-se nesse esforço. O senhor acha que esse é o caminho certo para superar a polarização entre os conservadores ("céticos") e progressistas ("crédulos")?
O relatório é uma avaliação séria dos riscos que setores empresariais chaves nos EUA vão enfrentar se não fizermos nada para impedir as mudanças climáticas. A partir do momento em que os empresários compreenderem o custo de não fazer nada, eles podem tornar-se uma força vital em favor de mudanças ao nível governamental.

O sr. considera superada a controvérsia em torno do "Quarto Relatório de Avaliação" (AR4) e suas fontes em artigos que não passaram por revisão científica? Quais são as consequências desse episódio para a reputação do IPCC?
A crítica fez do IPCC uma organização mais forte, aberta. Primeiro, a direção do IPCC promoveu uma conscientização entre os autores com relação ao controle de qualidade de fatos relatados. Em segundo lugar, o processo de revisão foi intensificado. Mais especialistas participaram da revisão de textos provisórios, o número de editores aumentou e seu trabalho foi intensificado. E os governos que constituem o IPCC agora têm mais consciência de suas responsabilidades na garantia de qualidade.
Também é importante observar que a "literatura cinza" [que não passa por revisão científica] é um componente importante dos dados relativos às mudanças climáticas. Ela inclui relatórios de governos, da indústria, de instituições de pesquisa, organizações internacionais e outras como o Banco Mundial, a Agência Internacional de Energia, a OCDE etc.

O sr. está satisfeito com a resposta dada ao mais recente relatório do IPCC pelo público e pelos responsáveis por formular políticas públicas?
A recepção tem sido positiva, ressaltando a distância que o mundo já percorreu entre discutir os aspectos científicos das mudanças climáticas e discutir o que fazer frente a elas.
Existe 95% de probabilidade de a influência humana ter sido a causa dominante do aquecimento observado desde meados do século 20. O relatório também chamou a atenção para potenciais soluções para mitigar e adaptar-se às mudanças climáticas.
Precisamos de um diálogo mais robusto sobre como implementar essas soluções.

O ritmo das mudanças climáticas parece ser lento, como indicam as flutuações dos últimos 15 anos. Isso não nos dá tempo suficiente para desenvolver fontes energéticas alternativas e concentrar os esforços de redução de emissões para depois de 2050?
O ritmo das mudanças climáticas não diminuiu. Se você olhar para o sistema climático inteiro, e não só as temperaturas superficiais, o que verá é um aquecimento contínuo e acelerado.
A atmosfera e os oceanos se aqueceram, a quantidade de neve e gelo diminuiu, o nível do mar subiu e as concentrações de gases-estufa aumentaram.
A Organização Meteorológica Mundial confirmou recentemente que 13 dos 14 anos mais quentes da história ocorreram no século 21. A década 2001-2010 foi a mais quente já registrada.
É verdade que o índice de aquecimento superficial entre 1998 e 2012 é mais baixo que o índice desde 1951. Mas pausas como essas já ocorreram no passado, apenas para serem seguidas por elevações de temperatura acentuadas. Portanto, não houve pausa no aquecimento total. Logo, não temos tempo adicional para implementar soluções.
Sabemos que as mudanças climáticas já têm efeito sobre a agricultura, a saúde, os ecossistemas, os recursos hídricos e os meios de subsistência. O aspecto que chama a atenção nos impactos é que estão correndo dos trópicos aos polos, de ilhas pequenas a grandes continentes e dos países mais ricos aos mais pobres. E temos sinais precoces de que o sistema de recifes de corais e o sistema ártico estão passando por modificações irreversíveis. Folha, 10.09.2014.
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